Thursday, April 16, 2009

Ele não esteve cá, mas foi um passeio lindo (pedaço de filme)

Manhã de Abril. Ela acordara alvoraçada porque sabia que ele ia partir, eventualmente. E o eventualmente chegou mais cedo do que primeiramente pensara. Aliás, como chega sempre. Malditas eventualidades.
- Eu gosto mesmo muito de ti. Não te esqueças nunca disso. E não mudes.
- Vais já?
- Vou.
- Porquê? Mas não ficas cá comigo até às 12?
- Não, não posso.
- Porque é que não podes?
- Maria, não posso.
A porta bateu não sem antes um último adeus ser proferido, quase em jeito de beijo de boa noite, mesmo sendo agora dia. Recém nascido.
A noite ainda parecia longe para aquelas duas almas que não se encontravam há mais de ano, quando o sol ainda fazia ver que pouco passara desde as 14. Isto porque as conversas escasseavam de entre um sei que estás diferente e um igualmente usual como te corre a vida e a carreira - há quem não diferencie estes dois, mas em tempos de indecisão há quem faça para que a vida pareça mais que mundana.
Riam-se.
- Não queres ir à Brasileira? Ficamos lá fora.
- Está cheia! Podes sempre ir lá buscar um café e pousamo-lo num parapeito qualquer.
- Não, espera, sei de um café giro ali ao pé do Teatro. Mas continua, estavamos a falar do que o teu amigo disse sobre aquela situação...
- Ah, sim, mas não te vou contar a história toda.
- Oh, que chatice! Lá estás tu e essa tua mania de começar a contar alguma coisa e a não a acabar.
- Eu sou assim.
- Já não te ouvia dizer isso há um bom tempo. Dizia-lo a toda a hora.
- Há coisas que eu nem digo.
- É. Isso é porque não gostas de mim.
- Sabes que sim.
- É. Amas-me, secalhar.
- Olha...
- Ahah, claro que não me amas. Não deves gostar de mim, tão pouco amar. Aliás, acho que ninguém me ama. Secalhar nunca ninguém amou.
- Porque é que dizes isso?
- Olha, porque a ausência de sinais é um sinal.
- E não vês os sinais?
- Que sinais, meu parvalhão? Quando se ama, diz-se! Já dizia o meu pai.
Engoliram um café e um chá, ela fumou dois cigarros e ofereceu outro a um mendigo que lhe parecia menos constrangido que ela própria, até no acto de pedir. Desculpe menina, tem um cigarro que me dê, Tenho sim, tome, não tenho é lume. E não tinha. Queria mais era arder no fervor de uma discussão frutífera, mas a situação não lhe permitia o calor. Para além disso estava frio, vento e a luz era primaveril e desconfortável. Vamos para dentro, Espera, fiquemos um pouco mais. Contou-lhe, ele, histórias isoladas - porque a ela não comoviam e a ele não já não podiam alterar mais o presente - e ela ria mais da saudade que da piada. Este era o ele que conhecera, sempre na mesma, sempre mais velho e misterioso. Sim, contava histórias, mas não falava dele. Gostas de chá preto, de Carlos Paredes, do cheiro da lavanda, e pronto, lá estava ela, Sempre a fazer dessas perguntas, a tentar saber do que gosto!
Entretanto a conversa engrenou e começou um espectáculo a que ambos queriam assistir. A cevada escorregou por aquelas gargantas que já tinham sentido as folhas do chá e o grão do café no seu jeito mais dourado, exaltou-se o público e roeram-se as unhas. As mãos, enganadas nas rotas, encontraram-se, como se todo o dia, todas as conversas e todos os líquidos quisessem fazer com que as circunstâncias convergissem naquele momento. Mas as desculpas foram aceites, Ups, foi sem querer, Tudo bem, e voltaram a virar-se costas e palmas em sentidos opostos. As pessoas costumam dizer que estes momentos são eternos no tempo, mas ao mesmo tempo o tempo parece passar-se mais depressa nestes lapsos que são para sempre que nos outros que não o são. Ou o sempre é momentâneo, ou o banal dura mais tempo, ou estamos todos enganados. Chegou a hora de jantar. Sentaram-se como manda a etiqueta, Obrigada cavalheiro, Tu é que não estás habituada, não sei porquê, Porque estiveste longe e não me habituo aos outros, assim como estes hábitos não lhes tocam em parte nenhuma da sensibilidade humana. O vinho escolheu ele, ela indicou o prato. Entretanto, clarificados pelo tempo de convivência e pela desinibição dos líquidos, tudo parecia natural, tudo era natural e ele respondeu-lhe a alguns porquês.
- Não gosto de conversas banais. Assim, coisas que não levam a lado nenhum. Evito-as com quem posso. Contigo, por exemplo, não preciso de as ter.
- Conversas... Conversas só são banais se as vires assim. A interacção é o mais importante. A convivência.
- O silêncio diz mais que mil palavras.
- É a imagem, tonto.
- Ah, tens razão. Mas então vá, o silêncio diz muita coisa.
- Aprendi na escola que não se pode não comunicar. Ainda não me perguntaste como me vai a escola. É por ser banal?
- Oh, também não me pergunstaste como ia o emprego.
- Não perguntei? Oh, é porque já me foste contando qualquer coisa. Mas diz-me, queres viver lá, onde trabalhas, que é longe, para sempre?
- Sei lá. Não gosto nem consigo fazer grandes planos.
- Onde te vês daqui a cinco anos? Eu gostava de me ver fora daqui.
- Nem sei se estou cá daqui a seis meses. Queria estar.
- Certo então.
- Está a ser mais difícil de conversar contigo. Antigamente era mais fácil.
- Isso é bom?
- É diferente. Normalmente só eu é que era o difícil. Isto assim é diferente.
Chegaram as entradas.
- A minha tia pergunta sempre por ti, Maria.
- A sério? Por mim? Porquê?
- Quer sempre saber quando volto a Lisboa.
- Que giro. Não sabia sequer que ela sabia de mim. Então e amanhã, ficamos por cá ou pegamos no carro e fugimos?
- Amanhã... Amanhã vou-me embora.
- Já?! Mas não era isso que tinhamos combinado. Bom, não combinámos nada, mas tinhamos várias hipóteses em cima da mesa... Essa não era definitivamente uma delas.
- Desculpa, tem de ser.
- Mas tem de ser porquê?
Ele não tocou no prato. Ela mais do que queria.
- Mas tem de ser porquê?
- Pelo mesmo motivo que não te posso ter no MSN, nem enviar e-mails.
- Pois é, porque é que não te posso contactar dessa maneira?
- Tem muito mais piada falarmos ao telefone aqui e ali.
- Mas são tão poucas essas vezes...
- Então, assim ficas com mais saudades minhas.
- Hm.
- Sabes bem que sempre que conversamos através da escrita não conseguimos interpretar-nos bem e eu não quero discutir contigo.
- Não concordo nada. A escrita é o melhor meio de comunicação.
- Não é nada.
- Eu acho.
- Porque é que vais já amanhã?
- Maria... Não interessa.
Levaram os pratos das entradas, preparavam-se para o prato principal.
- Claro que interessa. Fico dois anos e meio sem te por a vista em cima, combinámos uns dias juntos, e agora foges?
Ele ficou em silêncio e trincou três vezes o que estava por cima do garfo. Limpou a boca, serviu-lhe o copo de vinho mais duas vezes e pagou a conta.
- O meu pai sempre me disse que não há almoços grátis.
Chegando à rua abraçaram-se e ele sussurrou-lhe qualquer coisa ao ouvido, Tive saudades tuas.
Precorreram o bairro de alto a baixo, de baixo a alto, ruas, vielas, pouca gente, feia gente, maldita gente. Ele escondia o que sentia, ela sentia náuseas e escondeu-se na casa de banho. Três minutos depois estava quase como nova, mesmo não sendo velha.
- Maria, eu não posso conversar contigo para um Olá, tudo bem, não quero saber que estás longe sempre que te vir no MSN ou seja lá o que for, não quero nem posso, não sei ser teu amigo. Antes teu inimigo que teu amigo. Essas conversas são para todas as outras pessoas. Não para ti. Entende isto. Não consigo banalizar. Não sei explicar bem. E de certo que também tu não sabes como é entrar no avião e em vez de pensar no meu irmão, nos meus pais, na minha casa, no que está comigo desde sempre, pensar em ti.
- Quero-me sentar...
- Vamos, sentas-te no carro e deixo-te em casa. Depois sigo viagem.
- Ok. Não insisto mais contigo.
Sentaram-se no carro e ela mordeu tudo quanto fosse doce com a força que podia, que a boca e a consciência lhe sabiam mal.
- Posso subir Maria? Tenho de beber água.
- Claro, anda. Se quiseres dormitas um pouco, que a viagem logo de seguida é coisa difícil. É tarde.
Subiram os dois. Ele bebeu a água e ela ligou o computador - ainda tinha que terminar um trabalho para a escola e o relógio ia adiantado. Ele adormeceu perto dela, depois de se terem rido mais um pouco, quando ele viu pela primeira vez filmes da infância dela e ela apenas os revisitou. Trabalhou um pouco, pensou outro tanto, e disse Já sei porque é que não queres ser meu amigo, Hm, Acho que me vês como uma recordação e não como eu sou, e não queres perder essa imagem idílica de mim, mas estás tramado, que eu aqui estou ou aqui estou eu, vestida com um pijama com ovelhinhas e a comer argolinhas do Pingo Doce.
Retornou ao trabalho que pareceu durar para sempre, foi quase um daqueles momentos, e acabou por ceder ao sono, ao lado dele, como nunca, numa visão completamente real e muito pouco paradisíaca. Entretanto amanheceu, e ele partiu.

Monday, April 13, 2009

Monday, April 06, 2009

Eu gosto de sopa

Ao virar da esquina, eram dois rouxinóis.
Isto não parece fazer muito sentido escrito
(A maneira como escrevi)
Mas as palavras não seguem racionalidade
Ou não tanto como o que nos é verdade.
E a verdade de hoje não é a de sempre,
Se bem que sempre é demais e não é fiel.
Eu ontem ter-te-ia posto o anel!
Talvez hoje ainda, mas pela piada da coisa
Que hoje gosto demais da moça.
Voltemos ao passaredo.
Eram dois rouxinóis e um penedo.
Ou um rochedo. Apetece-me rimar com "edo"
Sem medo.
Credo.
Odeio medo.
Já chega.
Os rouxinóis e o penedo lá ficaram
E eu parti, com o canto dos primeiros
E o segundo ficou lá no canto, da minha memória.
Mas aqui não fará história,que amanhã já o esqueci.
Era só um penedo, e uma palavra gira.

Wednesday, April 01, 2009