Sunday, February 07, 2021

deambular

Aqui,
onde passam as ambulâncias, lá fora,
onde oiço o órgão de igreja na rádio
o ar é quente, denso, 
às vezes custa-me respirar.

Os dias passam como dantes
mas as estações perderam os limites.
As do tempo, as do comboio,
é uma viagem sem destino
que me deixa instavelmente estabilizada.

Tenho dificuldades em ver os carros parados.
Não sei quando voltarão a andar.
E se
o voo dos pássaros estivesse mesmo ali
e eu sem lhes conseguir tocar?

Movimento, apatia, 
estar-se parado é não ter caminho.
A menos que a estrada seja interna,
e se nessa não me movo, silencio.

As cordas do violino agora, na rádio,
lembram também que há espaço para a mudança,
e o seu tremelicar demonstra
que na vulnerabilidade reside a força,
a beleza intocável, intrínseca.

E não sei se há som mais bonito
que o do piano, quando chora,
aquele bonito piano branco, que chora.

No meio de tantas viagens
quiseram os meus pés trazer-me aqui
a esta areia fria, sóbria,
que lembra com melancolia os dias de Verão.

Friday, October 09, 2020

a saudade vem de dentro e mói

Habituar o corpo à ideia da ausência
para que depois a cabeça o entenda em círculo,
e ambos aceitem a falta.

É um aperto seco,
um constrangimento na barriga
e é respirar fundo.

Uma presença ausente
que se quer ali, e agora,
e quero-te aqui, e agora, 
e não há nada a fazer
a não ser escrever.

Jorrar em tinta aquilo que está no peito.
Não saber onde estás,
ou quando vens,
ou se vens.
Não vens.

Tuesday, September 08, 2020

Essential

Pertaining to essence

(quoting Soulwax, essential eleven)

Tuesday, June 02, 2020

o sol

lá fora cantam os pássaros
e a brisa passa pelos meus cabelos
é uma liberdade plena, este sentir.
e andar, e respirar, e ver a vida a acontecer,
com o vagar das coisas belas.


Sunday, July 28, 2019

pequena nota

na passagem o início é incerto
e desnecessário, importa caminhar
para onde se quiser ir,
a ideia é essa

Tuesday, March 12, 2019

de janela aberta

O prédio lilás luzia
Do outro lado da rua
Onde a brisa corria
E a estrada estava nua.

Via-o do primeiro andar
Da Confeitaria Nacional
Desde um simples lugar
Onde não se estava mal.

Então uma janela abriu
Espreitei, não vi ninguém,
Provavelmente alguém sentiu
Que nesta tarde de primavera
Assim se estava bem.

o sorriso de quem dança

Nas vezes em que o mundo dista
Plena estou, pois que me encontra,
Consigo olhá-lo em seu esplendor.

É a primavera.

É a primavera nos meus olhos
Que tendo sede de vida encontram
Estradas inteiras de água e cor.

Às vezes, quando a beleza é tanta,
Sinto que a caixa pode explodir,
Mas logo vem a serena e a calma
Assegurando-me de que assim é a alma
E, imperativamente, devo seguir.

Monday, February 11, 2019

The colours in the sky are yellow and blue

There is a specific smell of home,
the one of the places you hold dear,
like the wavey sea and its foam
the flower garden where I roam
and everywhere else I find you near.

Ode à bonança

Do livro do amanhecer, para mim,
ou Claro Enigma, para todos

O Chamado, de Carlos Drummond de Andrade

"Na rua escura o velho poeta
(lume de minha mocidade)
já não criava, simples criatura
exposta aos ventos da cidade.

Ao vê-lo curvo e desgarrado
na caótica noite urbana,
o que senti, não alegria,
era, talvez, carência humana.

E pergunto ao poeta, pergunto-lhe
(numa esperança que não digo)
para onde vai — a que angra serena,
a que Pasárgada, a que abrigo?

A palavra oscila no espaço
um momento. Eis que, sibilino,
entre as aparências sem rumo,
responde o poeta: Ao meu destino.

E foi-se para onde a intuição,
o amor, o risco desejado
o chamavam, sem que ninguém
pressentisse, em torno, o Chamado."