Saturday, February 13, 2010

carta a um amigo

há dias perguntaram-me
porque deixara de escrever.
gostei do breve reparo
e, sem mais amparo,
apresso-me a responder:
D,
escrevo pelo motivo.
Pelo motivo do canto,
da dedicatória,
do escrever, ou da memória,
ou do antever.
escrevo com gosto, com vontade,
escrevo com alguma verdade
e com algum querer.
não sou bem eu quem me traz,
sou mais eu quem se desfaz,
pelas palavras.
requebro-me, perco-me nelas,
aprendo-as e traduzo-as.
Escrever não é pois passatempo
é obrigação do tempo
que corre.
E se não escrevi, sabe,
foi pelo motivo.
Não tendo motivo não tenho comigo
as palavras, que me têm a mim.
é do sono que se apossou,
uma matéria sublime e decrépita,
que me cega, me aturda, me surda,
deixando-me apaticamente muda.
Se não escrevi não foi por falta de tempo,
foi por tempo a mais, tempo estranho,
daquele onde não me revejo
nem em frente ao espelho.
Mas, amigo D.,
obrigada pelo reparo,
e olá uma outra vez.
Terá sido daí que voltei?
Talvez.
Mas prefiro acreditar que não,
desculpa,
é que se aqui há culpa
deixa-me matá-la sozinha.
É o tal sono, sabes?
Aquele de que falo às vezes,
mas estou a mandá-lo embora.
Motivos.
É o caminho que constrói a fortuna
e é dele que vivemos,
embora por vezes nos apartemos,
até mesmo do ser, ou do ideal,
ou das motivações.
Quis que soubesses, amigo D.,
que para além de escrever para ti
escrevo por ti, por mim, para mim.

Escrevo para a vida, para a escrita,
para as metamorfoses e para a memória
para as motivações, para a beleza,
para aquilo que aconteça
com este pedaço de história.
Ainda que seja pouco, será para quem quiser.
E, entretanto,
amanheceu.

grito às aranhas

Sete. Sete da manhã que sabem a noite
e é noite, está escuro lá fora.
Onde pára a aurora?
Configurei o meu olhar com limites de moldura pitoresca
e quero voltar a ver o mundo às corezinhas
mas está-me a custar.
sabem, estou a chorar.
talvez seja deste sono
imundo
este sono profundo
que se estende
pelo corpo
pela sede
pelo desejo
ai! se soubesses como prevejo
os dias anteriores a mim!
eu sei, eu sei que vou voltar,
digo-o repetidamente
digo
digo
digo
digo esperançosamente
que só a posso deixar morrer
depois de mim.
às vezez de que vale a pena viver
se não por capricho dos outros?
não tenhais pena,
não sou vítima,
mas às vezes,
nestas vezes,
a dor é tão íntima
que não dá para entender.

discorro.
não me levem muito a sério,
eu não me levo muito a sério,
talvez o problema seja esse.
mas não me entristece,
triste é a apatia
que se apossou de mim.
mas na selvajadaria das ramificações
eu sei que serei mais forte
é a mente
é o brio
é a sorte
é o canto em magote
que repito assim assim.

vou dormir, eventualmente,
e será em breve, garanto.
vim só discorrer este pranto
que quis sair, fugir assim,
depressa e em espanto.
é sinal que sobrevive num recanto
aquilo que me aquece
e num breve sopro reaparece
relembrando-me de mim.

vou dormir.
quando acordar, virei pé ante pé,
devagarinho, com algum cuidado,
que o sono ficará adormecido
demente, podre, entorpecido,
esquecido, seco e vago.