Thursday, July 23, 2009

Entrevista (Abril)

Vir para Ficar


Visões de um estrangeiro sobre o nosso país.


Se é certo que pelo sonho é que vamos, e assim o disse Sebastião da Gama, certo é também que muitos portugueses, principalmente jovens, procuram viver o sonho num outro país que não a nossa Ocidental Praia Lusitana. Se esta vontade se prende a motivos económicos, políticos, culturais, tudo junto ou nada ao certo, dependerá dos objectivos individuais de cada um, quiçá desespero. Mas a questão que agora aqui se coloca, dentro deste contexto, é que motivos levarão a um estrangeiro a mudar-se para cá. Seremos ainda tidos em conta como um país de grandes oportunidades ou estaremos associados a outra ideia positiva que, a muitos, escapa?
O londrino Phillip, formado em Engenharia Aerospacial e com algumas pós-graduações em tecnologias laser, é agora professor de inglês num Instituto privado em Setúbal e foi, desta feita, o entrevistado que me explicou o porquê de viver em Portugal há mais de vinte anos.


Sabe-se que pelos institutos de línguas privados, nomeadamente ingleses, passam muitos professores durante um, talvez dois anos e depois seguem viagem para outro país, de modo que ensinam aqui, depois ali, e acabam por conhecer o mundo todo, ou grande parte dele. Antes de mais, porquê vir para Portugal?


Porquê vir? Bom, acho que pode dizer-se que eu não escolhi este destino como este destino me escolheu a mim. Vivia em Inglaterra há muitos anos e estava completamente deprimido, por causa do clima e da maneira como as coisas estavam. Então abri o jornal e foi o primeiro anúncio que encontrei. Para ser sincero, dei por mim um dia no metro, como já disse, terrivelmente deprimido, envolto de uma atmosfera pesada. A pessoa que estava à minha frente não olhava sequer para mim, era como se não existisse, porque em Inglaterra há tanta gente que as pessoas precisam de criar como paredes invisíveis à volta delas, nunca comunicam umas com as outras. Nesse dia pensei que já não conseguia viver mais assim. Então decidi vir, e estava aqui dois dias depois. Foi-me muito conveniente, até porque posso voltar rapidamente para Inglaterra.


E pensava que as pessoas cá seriam diferentes, não tão frias como em Inglaterra?

Completamente, sim. Uma das razões pelas quais nunca gostei de viver em Inglaterra, apesar de ser um país muito bonito – e eu adoro o meu país – é a frieza das pessoas, e talvez se deva ao clima, como alguns dizem. As pessoas correm de um lado para o outro como “galinhas sem cabeça”, e não param para olhar em volta. Viajando pelo mundo percebi que onde fazia sol as pessoas eram diferentes. Sim, eu vim para cá e notei os portugueses como um povo muito mais descontraído e relaxado. Tiram tempo para apreciar a vida, com coisas simples, como por exemplo com a comida, são capazes de tirar o seu tempo para beber um bom vinho com uma companhia especial. Eu acredito que temos de escolher cuidadosamente as opções de vida, tendo sempre em conta a sua qualidade. Acima de tudo. Acima do dinheiro. Bom, é claro que precisamos dele, mas as pessoas sobrevalorizam-no.


Sei que viajou muito, chegou a ficar longos períodos de tempo em outros países. O que o levou a

acabar aqui e não em qualquer outro ponto do globo?


Bom, eu vivi cinco anos na América do Sul. Foi muito bom, um período muito interessante, mas por causa das coisas que estavam a acontecer lá, na altura, relacionadas com o terrorismo, o “viver lá” tornou-se demasiado perigoso. Por isso pensei que era tempo de terminar aquela aventura e ir para outro sítio qualquer. Todos os países são diferentes. Outro que também gostei muito foi a Holanda, é muito especial.

Amesterdão?


Sim, Amesterdão. Mas a maior parte das pessoas associa Amesterdão a coisas erradas. Pensam que é só droga, sexo, mas, de facto, não é nada disso. O que geralmente se diz da cidade constitui apenas uma pequena parte do que lá existe. As pessoas lá têm uma maneira de ser que segue muito a ideia de “vive e deixa viver”. A arquitectura, fabulosa. O que me levou lá foi, na verdade, uma pós-graduação na minha área que acabei por desempenhar muito pouco. E tudo isto ligado à mesma questão da qualidade de vida. Porque quando cheguei a Inglaterra e decidi trabalhar nesse campo, acabei a ter de produzir, para o Estado, material tecnológico a ser utilizado em guerras, e não é, de todo, algo para que queria contribuir.

Tem alguma história daqui que costume contar a amigos seus ingleses que, segundo ache, seja uma caricatura do povo que somos?


Sim, tenho muitas histórias. Uma delas, em que poucos acreditam, aconteceu mesmo pouco depois de chegar cá, quando decidi aventurar-me por entre estradas nacionais, de modo a conhecer um pouco melhor o país. Qual não foi o meu espanto quando, passado algum tempo de viagem, me deparo com um camião parado no meio da estradas e, debaixo dele, quatro pernas estendidas, a sair debaixo do camião. Pensei imediatamente que estivessem a arranjar qualquer coisa no veículo, que estivesse estragado ou coisa do género. No entanto, decidi ficar e perceber o que se passava. Passaram cinco, dez, vinte minutos e achei que as pernas estavam demasiado paradas para que alguém estivesse a consertar fosse o que fosse. Por isso, saí do carro e fui investigar. Eis que encontro dois senhores, rapazes, a dormir descansados e que, ao me encontrarem preocupado com a situação, prontamente me explicaram que estavam a fazer uma sesta à sombra, para eu não me preocupar. Devo confessar que nunca tinha passado por nada disso.

Também poucos portugueses terão passado… Mas, dada a sua experiência pessoal e profissional, o que acha que motiva outros professores a trabalhar neste país?


Bom, acho que se prende muito àquilo que disseste no início da entrevista. Eles querem conhecer o mundo, e ensinar por aí fora é sempre uma boa opção. Por isso se vê tantos novos professores que leccionam um par de anos aqui e depois se mudam. É uma excelente oportunidade para se poder viajar e continuar a ganhar dinheiro, para ver partes do mundo que queiram ver. Ensinar inglês como língua estrangeira é uma opção porque em todo o mundo se fala inglês. Eu nunca tinha pensado em ser professor, na verdade formei-me em engenharia aeroespacial. Sou uma daquelas pessoas que, como muitas outras, não sabia o que fazer. Acabei por ir para o curso que me fora indicado e não por opção minha. Por causa dele, e também como já disse, acabei por ir fazer uma pós-graduação na Holanda. E foi a viajar, não me lembro muito bem em que altura da minha vida, que dei por mim a ensinar um grupo de cinco chineses a falar inglês, que desesperadamente queriam aprender a língua. E eu pensei “isto não é assim tão mau…”, então acabei por tirar o curso de professor, só em caso de poder dar algum jeito no futuro.

Como encontra Portugal em termos culturais, políticos? Agora festeja-se o 25 de Abril…


Bom, culturalmente, é um pouco frustrante encontrar cidades como Setúbal que não investem mais em turismo. Devia-se investir mais. Em grandes cidades como Lisboa ou Porto é fácil ir-se a um bom museu, ver uma peça de teatro, são cidades muitos pontos de interesse. Os políticos deviam tentar ver as coisas muito mais profundamente. Acho que falam, sim, falam muito e sobre muita coisa, mas estruturalmente muito pouco se faz aqui e eu acho que Portugal tem o risco de ficar para trás se não se começar a seguir uma linha de acção. Pode ser mesmo muito destrutivo. Portugal é praticamente uma capa oca, não há praticamente indústrias. Recebe-se também muito dinheiro que se perde, e não se sabe como. Podia-se apostar no turismo. A costa portuguesa é belíssima. Por exemplo Setúbal podia ser bem mais aproveitado, mas a verdade é que não se faz nada certo para atrair turistas, o que é uma pena. Eu acho que Portugal devia olhar para os erros dos outros, e aprender com eles. Olhar para os que sabem, e encontrar o meio-termo ideal, porque tem uma série de vantagens sobre outros países.

Em jeito de conclusão, Phillip, faço-lhe uma última questão. Como deve saber, muitos jovens portugueses pretendem abandonar o seu país… O que acha sobre isso?


Eu acho que é muito normal que as pessoas queiram sair. E os portugueses são conhecidos por terem sido sempre grandes viajantes. Em cada país que visito encontro sempre pelo menos um português. Deve-vos estar no sangue. E não censuro que queiram sair de cá, especialmente se não vêem nenhum sítio onde se encaixem cá. É também para esses casos que o governo devia olhar, porque não se quer que todas as mentes brilhantes, desses jovens ambiciosos, fujam do próprio país. E isso acontece muito, porque vêem oportunidades noutros países e claro que querem aproveitar, são novos e têm vontade de vencer. Acho também que quem tiver a oportunidade de sair e conhecer outros sítios deve aproveitá-la para perceber como as coisas funcionam internacionalmente e para, claro, saber onde se encaixa melhor.

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